um; outro… casamento, morte; chegada, despedida… pai, mãe, irmão, futebol. o filho dele, a janela… tinha quintal, a casa dos meus pais era velhinha, mas a cortina era branca e tinha alegria lá fora, lá dentro e aqui dentro… era meu casamento.
eu nunca antes imaginara sentir tamanha alegria. eu sempre detestei festas de casamento e graças a Deus aquela não era uma festa de casamento. era apenas um encontro familiar e uma constatação que eu jamais imaginara ter de que eu o amara e era feliz e compreensiva com as paredes velhas que meus pais não arrumavam, pois eu tinha um amor imenso que preenchia o meu coração, uma alegria que quase me fazia levitar e a janela, a cortina branca, o quintal, as crianças, o futebol e esse amor contentavam meu ser.
era final do mês, 30 de agosto, já. o emprego foi-se, o caderninho dos sonhos se foi e este era um novo, já. ele é rosa porque este é o mês da primavera, setembro.
eu também havia mudado. que bom. eu tinha, como num gole só de uma cachaça que te faz querer vomitar e que te fortalece, descoberto e superado os meus medos. O meu medo. O meu medo maior e todos os outros. eu tinha descoberto O medo. O mesmo que bate à porta de todos e que veste as roupas perfeitas para vir de encontro a mim. O meu era especial, lógico. O de todo mundo é. o nosso umbigo é muito grande e é preciso ser muito sensível pra sentir os medos do outro, estremecer a espinha e sentir os pêlos em pé, além de compreendê-los.
a única coisa que vale a pena nesta vida é escolher o caminho. e os meus caminhos sempre foram tortos, com pedaços malcheirosos, com rostos e máscaras apontando em diversas direções. às vezes estes rostos choravam, eles não tinham corpos. às vezes as máscaras davam gargalhadas, com certeza se riam de mim. a verdade é uma só e não estaria em outro lugar que não no coração da gente, mas a gente é metido à besta, fica a explanar sobre a vida e sobre as coisas e não sabe sentir um grito dentro da própria alma. tem vários disfarces pra coisa. vezes amanhece carne e traz da noite um quê a mais de espírito, nestas horas até que se compreende bem o quão fundo a coisa é, o quão negro é o buraco e quão profundo é o canal que leva à morte e que é o mesmo que traz à vida. aliás, a vida aqui dentro é tal qual a de fora. mas eu ainda estou perdida do lado de fora e a pensar que ninguém me abre a porta, que já é uma gozação essa história do interfone… mal sei eu que a única pessoa que abre pra mim, do lado de dentro, é a mesma que vos fala e que está cá fora.